Lisboa,
18 de Fevereiro de 2013
Julgamento
de 24 Activistas de Direitos Humanos
Celebrou-se
nos dias 1 e 8 a 16 de Fevereiro de 2013, o julgamento de 25
activistas saharauís de
direitos
humanos, no tribunal militar de Rabat, Marrocos.
Os
acusados aguardavam detidos por julgamento há dois anos e três
meses. Durante os primeiros
meses
do seu encarceramento, estiveram incomunicáveis, sem advogados e sem
contactar as famílias. Tais detenções e sequestros ocorreram
devido ao acampamento de Gdeim Izik, uma manifestação pacífica que
juntou, nos arredores de El Aaiún, mais de quarenta mil pessoas,
que, pacificamente, reivindicavam os seus direitos sociais,
económicos e culturais. No dia 8 de Novembro de 2010, foi
brutalmente desmantelado pelas autoridades marroquinas.
Durante
o seu encarceramento, os presos afirmaram ter sido repetidamente
vítimas de torturas físicas,
psicologias
e sexuais, para obtenção de falsas confissões, tendo apresentado
sinais físicos de tal tortura em tribunal, tendo vários deles sido
encaminhados para o hospital durante as audiências. Face as tais
declarações, presos e advogados de defesa pediram a realização de
exames e relatórios médicos para provar as torturas a que foram
sujeitos, tendo sido negados pelo tribunal.
O
julgamento foi marcado por graves erros processuais, desrespeito e
violação do direito penal e
constitucional
marroquino, do direito internacional, das Resoluções da ONU e dos
acordos celebrados com a União Europeia.
Durante
o julgamento, as dificuldades de comunicação em toda a cidade foram
constantes, bem como a forte presença militar e policial nas ruas,
tendo-se registado ameaças às famílias dos tradutores dos
observadores
internacionais.
Apesar
das suas declarações e provas da sua inocência, sem que a acusação
provasse a sua culpa, 22 foram condenados a penas desde dos 20 anos a
prisão perpétua, dois saíram em liberdade e um requereu asilo
político na União Europeia.
No
julgamento, estiveram presentes observadores internais de direitos
humanos de Portugal, Espanha,
França,
Itália, Luxemburgo, Bélgica e Grã-Bretanha e Holanda, bem como
várias associações de Direitos Humanos marroquinas.
As
observadoras portuguesas, Isabel Lourenço e Rita Reis, e toda a
Associação de Cooperação e
Solidariedade
entre os Povos (ACOSOP) à qual pertencem, consideram todo o processo
ilegal e condenam veemente o tratamento desumano e as penas aplicadas
pelo regime, considerando uma gravíssima violação dos direitos
humanos e dos princípios da democracia. Declarando a sua
solidariedade com todos os presos políticos e povo saharauí.
Para
mais informações e/ou esclarecimentos, contactar:
Isabel
Lourenço (964270980)
Rita
Reis (913486657)
ANEXO
Julgamento
do Grupo de Gdeim Izik: Nulo de Pleno Direito 1
Relatório
da Fundação Sahara Ocidental
17
de Fevereiro de 2013
Esta
Fundação acreditou Juan Andrés Lisbona, Isabel Maria Lourenço,
Rita Marcelino dos Reis, José Manuel de la Fuente Serrano e Rosário
García Diaz, para que assistissem às sessões do julgamento militar
celebrado no tribunal militar de Rabat, contra 25 presos saharauís.
Após a missão de observação realizada, de forma ininterrupta nos
dias 1, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15 e 16 de Fevereiro de 2013, esta
Fundação concluí que:
1º
- No que respeita à Administração de Justiça, apesar das normas e
dos instrumentos
internacionais
de Direitos Humanos, rectificados por Marrocos e, apesar de dispor de
um
contingente
policial e judicial bem dotado, este não teve em conta no processo
judicial o direito vigente, FRAGILIZANDO-SE em sede judicial e em
dependências e instituições, a legislação de aplicação,
fazendo deste um processo: um processo Nulo de Pleno Direito.
2º
- O Tribunal Militar, encarregue deste procedimento e que realizou as
fases de julgamento e decisão, com sede em Rabat, capital do Estado
Marroquino, é um TRIBUNAL EXTRATERRITORIAL. A sua competência para
julgar os factos e actos produzidos fora do território do Reino de
Marrocos, tornam-no INCOMPETENTE, de acordo com as resoluções do
Conselho de Segurança das Nações Unidas, uma vez que estes factos,
se circunscreveram no Sahara Ocidental, território não-autónomo,
ocupado militar e ilegalmente por Marrocos (“país ocupante”),
contrário ao direito internacional e, por isso, fora da soberania,
competência e jurisdição deste Tribunal Militar de Rabat, sendo
todo o processo desenvolvido NULO DE PLENO DIREITO.
3º
- O Tribunal Militar de Rabat é INCOMPETENTE à luz do direito
constitucional e penal
marroquino,
de acordo com o artigo 127 da recém-promulgada Constituição do
Reino de
Marrocos,
datada de 29 de Julho de 2011, ao se tratar de um TRIBUNAL DE
EXCEPÇÃO,
proscrito
e proibido, pelo que o processo desenvolvido padece de NULIDADE
RADICAL.
OTribunal
Militar de Rabat, presidido pelo juiz ordinário “Zehhaf”,
julgou, violando o direito de aplicação, 25 civis saharauís, sem
ter as faculdades jurisdicionais necessárias. A forma e tom de
interrogação a muitos deles, afirmando que não tinham habilitações
suficientes para se pronunciarem sobre a legalidade do tribunal, foi
absolutamente inadequada.
4º
- Como constatou esta missão, na prática, a fase de averiguação
prévia do delito, converteu-se na parte dominante e decisiva do
processo penal, contaminando-o de forma grave e irremediável.
O
sistema de acusação e administração da justiça, relativamente a
provas que podem ter sido obtidas ilegalmente, é muito deficiente.
Foi uma realidade constatada por esta missão que as violações
sexuais dos presos e as torturas como meios de obtenção das
confissões, realizadas nas dependências policiais, na Gendermaria
Real e nos corpos militares e paramilitares que operam no território
do Sahara Ocidental “de facto”, infligidos durante semanas ou
meses e cujas sequelas foram exibidas ao tribunal, na fase de
plenário, e na fase de instrução, com dezenas de denúncias, não
só não foram investigadas, como se lhes negou, incluindo na fase
oral nas provas de tais actos, e a possibilidade da sua valoração,
produzindo assim, uma FRAGILIZAÇÃO DE DIREITOS DE DEFESA.
5º
- A celebração dos depoimentos orais, foram registados anos após
os actos, com prolongação indevida da detenção, em dependências
policiais e penitenciárias, mediante tortura ou outras formas de
coacção física e psicológica, adiando os julgamentos e mantendo
os acusados em prisão preventiva, contrária às convenções
internacionais e à legislação marroquina.
6º
- Esta missão constatou que, apesar do tempo passado, desde 8 de
Novembro de 2010, data em que se passaram os alegados actos, e a
capacidade e preparação tanto dos corpos e forças de segurança,
como dos tribunais e juízes marroquinos, se realizou uma INSTRUÇÃO
DEFEITUOSA, INCOMPLETA, ENVIESADA E ILEGAL. A inexistência no
processo da identidade e circunstâncias das vítimas falecidas,
inexistência de autópsias forenses (requisito fundamental para
determinar a causa da morte, local, momento e circunstâncias);
inexistência de provas de impressão digital e de análise das armas
brancas, supostamente encontradas no local dos actos; inexistência
de estudos morfológicos ou de identificação nas filmagens
realizadas, invalidam, de forma absoluta, a sentença ditada. Uma vez
que nenhum dos acusados é identificado nas filmagens apresentadas, a
instrução e supostas provas de acusação obtidas em fase de
instrução e apresentadas em plenário, estão TOTALMENTE DESLIGADAS
DOS ACUSADOS e da forma como o Procurador do Rei formulou a acusação.
A existência no momento do desmantelamento violento do acampamento
de Gdeim Izik, cercado, rodeado pelo um numeroso dispositivo de
efectivos e equipamentos do Estado (que incluíram meios aéreos e
pelo menos cinco câmeras de ilmagem), tornam inacreditável o “modus
operandis” relatado pela acusação, incongruente com o relato
factual, repleto de lacunas e IMPRECISÕES que tornaram absolutamente
impossível reconhecer quem, de que forma e em que momento, provocou
a morte das vítimas e se a mesma foi violenta. (Os delitos pelos que
foram condenados são profanação de cadáveres, associação
criminosa e homicídio).
Esta
instrução defeituosa, fez com que o Procurador do Rei, em fase de
Plenário, e no mesmo dia em que se iniciavam as sessões do
julgamento, apresentasse de forma supressiva (em incumprimento com os
prazos legais previstos) a inclusão no processo de nove testemunhas
oculares dos actos e cujas declarações poderiam trazer luz sobre a
identificação dos autores e das circunstâncias da perpetuação do
delito. A primeira testemunha, Hawadi Radouan, declarou no dia 13 de
Fevereiro, às 13:15h, hora local, que estava presente como força
auxiliar e que não reconheceu nenhum dos acusados. O presidente do
tribunal, em exercício das atribuições que alegou lhe terem sido
conferidas, privou o plenário de ouvir as restantes oito
testemunhas.
Privando
desta forma à defesa a possibilidade de provar que os acusados não
tinham
participação
dos actos violentos.
As
únicas testemunhas da defesa admitidas e que prestaram declarações
no processo foram: Mohamed Salmani, Bachir Salmani, Mohamed Balkasmi,
Mohamed Abhaoui e Hassan Dalel.
7º
- Ausência de garantias de um processo devidamente legal e uma
correcta aplicação de justiça, dado que os expedientes policiais,
judiciais e a fase de julgamento oral, foram gravemente afectadas
pelas actividades políticas e opiniões dos acusados, que primou
sobre os acontecimentos. Esta missão constatou a inexistência de
uma justiça imparcial e independente no julgamento, devendo-se
classificar este processo de JULGAMENTO POLÍTICO e os presos como
PRESOS DE CONSCIÊNCIA.
8º
- A missão de observação constatou numerosos vícios nos
procedimentos que deveriam ter provocado a nulidade de pleno direito,
desde da fase de instrução, em concreto e sempre à luz do direito
que se aplica no território:
• A
falta constatada (e denunciada reiteradamente em todo o julgamento)
de provas de acusação apresentadas por parte do Procurador-Geral do
Rei e por parte do Juiz de Instrução, INVALIDAM TODO O PROCESSO,
uma vez que não exerceram a sua função de garantia da legalidade,
violando o princípio da tutela judicial efectiva (vigente no seu
sistema penal) e da presunção de inocência, aceitando as
declarações policiais, obtidas, como relatam todos os testemunhos,
sob inimagináveis formas de tortura, SEM QUALQUER PROVA REAL em todo
o processo.
•
Ausência de
identificação das forças detidas pelas forças de segurança, com
provas
incriminatórias
na própria fase de instrução; significando isso que foram detidos
arbitrariamente e pelo facto de serem saharauís, membros de
associações e defensores dos direitos humanos, membros da comissão
de negociação de Gdeim Izik ou pelas suas opiniões sobre a
autodeterminação do Sahara Ocidental, tendo sido levados para
centros de detenção antes, durante ou depois do acampamento de
Gdeim Izik, sem qualquer relação com os referidos actos,
permanecendo durante dias em paradeiros desconhecidos.
•
Violação do
direito de defesa, mediante a negação sistemática da apresentação
de provas de inocência, tanto na fase de instrução, como na fase
de plenário, impedindo de facto a possibilidade de demonstração de
inocência, sendo especialmente grosseiras as negações de
apresentação de prova, insistentemente solicitadas pela defesa, em
toda a fase de Plenário, médicas para a demonstração da tortura e
testemunhos fundamentais como o do Ministro do Interior de Marrocos e
da deputada parlamentar Gajmoula Ment Abbi.
•
Ausência de
advogados nas detenções, nas sedes policias e judiciais.
•
Ausência de
comunicação aos familiares dos detidos.
- Utilização de métodos policiais violentos, torturas e coacções físicas e de todas as
ordens
na sede judicial, realizadas na presença do juiz de instrução
Bakkali Mohammad, já falecido, para a obtenção de assinaturas em
forma de impressão digital, no final da redacção das confissões
de culpa.
9º
- Esta missão constatou a violação dos direitos de liberdade de
expressão, consciência, reunião e associação no território,
aguardando a descolonização pelas Nações Unidas e da celebração
de um referendo de autodeterminação pelo povo saharauí; e a
expressão de opiniões políticas, que se realizam no exercício dos
direitos civis reconhecidos pelos tratados internacionais subscritos
por Marrocos, são reprimidos.
Na
fase oral, o tribunal pretendeu a todo o momento anular e evitar tais
declarações; e que apenas após uma forte defesa dos advogados e de
uma reunião celebrada à porta fechada entre o tribunal e estes,
lhes foram permitidas.
10º
- A detenção, tortura e sentença assim como a detenção dos
manifestantes saharauís,
corresponde
à política decidida e sistemática de repressão dos activistas
políticos pelo Reino de Marrocos e no território do Sahara
Ocidental, como método de minimizar o crescente movimento da
população saharauí de reivindicar o direito da autodeterminação,
reconhecido pelas Nações Unidas, defendendo que se respeitem os
seus direitos, cuja máxima expressão foi o acampamento de Gdeim
Izik.
11º
- O estado de terror que referem os testemunhos, os relatos de
tortura e repressão relatados na fase de plenário, violam o direito
penal marroquino, que se aplica aos habitantes do Sahara Ocidental,
os convénios internacionais subscritos por Marrocos, como a
Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Descriminação Racial (1966), os Acordos Internacionais de Direitos
Civis e Políticos e de Direitos Económicos, Sociais e Culturais
(1966), o Convénio para a Prevenção e Sanção do Delito de
Genocídio e Delito de Torturas, (rectificado por Marrocos em 1950).
12º
- Esta missão de observação pôde constatar que, as condições
necessárias para a
celebração
de um processo justo, equitativo e independente não se
concretizaram. A excessiva e injustificada presença policial, dentro
da sala de audiências, nas dependências do tribunal e nas ruas
adjacentes, estas com centenas de veículos anti distúrbios, camiões
com canhões de água preparados para intervir, situados em lugares
visíveis, acrescidas à pressão que sofreram os observadores que
assistiam ao processo, quer dentro da sala como no restante tribunal,
ameaças aos tradutores, cujas famílias foram ”visitadas” no
Sahara Ocidental, tendo sendo claramente advertidas que a actividade
de tradução não era conveniente, inibidores de frequência em toda
a zona, impediam a comunicação telefónica, acrescidas à pressão
mediática dos media marroquinos, que junto com a polícia filmavam e
fotografam os observadores e, em especial, aos presos, tendo sido
difundidas estas imagens em revistas e jornais, sem a sua
autorização, constituem um exercício inadmissível do poder do
estado, que influenciou directamente o processo de justiça,
inibindo-o. As denúncias da defesa realizadas perante o tribunal não
foram suficientes para que fossem respeitados os direitos dos
acusados.
Esta
Fundação AFIRMA A SUA REPULSA PELO ENCARCERAMENTO, TRATO INUMANO E
AS
PENAS
QUE O REGIME MARROQUINO LEVA A CABO, QUALIFICANDO ESTE PROCESSO DE
ILEGAL,
CONTRÁRIO À DIGNIDADE HUMANA E AOS DIREITOS DE UM POVO.
Igualmente
mostramos a nossa solidariedade e apoio aos presos, familiares e ao
povo saharauí
pelo
sofrimento e barbárie que padecem.
Dada
a magnitude e complexidade das sessões celebradas, esta Fundação
pretende publicar um relatório completo sobre o processo dos presos
políticos saharauís de Gdeim Izik, juntamente com uma lista
completa dos observadores.
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