sábado, 23 de febrero de 2013

ACOSOP

Lisboa, 18 de Fevereiro de 2013

Julgamento de 24 Activistas de Direitos Humanos

Celebrou-se nos dias 1 e 8 a 16 de Fevereiro de 2013, o julgamento de 25 activistas saharauís de
direitos humanos, no tribunal militar de Rabat, Marrocos.

Os acusados aguardavam detidos por julgamento há dois anos e três meses. Durante os primeiros
meses do seu encarceramento, estiveram incomunicáveis, sem advogados e sem contactar as famílias. Tais detenções e sequestros ocorreram devido ao acampamento de Gdeim Izik, uma manifestação pacífica que juntou, nos arredores de El Aaiún, mais de quarenta mil pessoas, que, pacificamente, reivindicavam os seus direitos sociais, económicos e culturais. No dia 8 de Novembro de 2010, foi brutalmente desmantelado pelas autoridades marroquinas.

Durante o seu encarceramento, os presos afirmaram ter sido repetidamente vítimas de torturas físicas,
psicologias e sexuais, para obtenção de falsas confissões, tendo apresentado sinais físicos de tal tortura em tribunal, tendo vários deles sido encaminhados para o hospital durante as audiências. Face as tais declarações, presos e advogados de defesa pediram a realização de exames e relatórios médicos para provar as torturas a que foram sujeitos, tendo sido negados pelo tribunal.

O julgamento foi marcado por graves erros processuais, desrespeito e violação do direito penal e
constitucional marroquino, do direito internacional, das Resoluções da ONU e dos acordos celebrados com a União Europeia.

Durante o julgamento, as dificuldades de comunicação em toda a cidade foram constantes, bem como a forte presença militar e policial nas ruas, tendo-se registado ameaças às famílias dos tradutores dos
observadores internacionais.

Apesar das suas declarações e provas da sua inocência, sem que a acusação provasse a sua culpa, 22 foram condenados a penas desde dos 20 anos a prisão perpétua, dois saíram em liberdade e um requereu asilo político na União Europeia.

No julgamento, estiveram presentes observadores internais de direitos humanos de Portugal, Espanha,
França, Itália, Luxemburgo, Bélgica e Grã-Bretanha e Holanda, bem como várias associações de Direitos Humanos marroquinas.

As observadoras portuguesas, Isabel Lourenço e Rita Reis, e toda a Associação de Cooperação e
Solidariedade entre os Povos (ACOSOP) à qual pertencem, consideram todo o processo ilegal e condenam veemente o tratamento desumano e as penas aplicadas pelo regime, considerando uma gravíssima violação dos direitos humanos e dos princípios da democracia. Declarando a sua solidariedade com todos os presos políticos e povo saharauí.

Para mais informações e/ou esclarecimentos, contactar:
Isabel Lourenço (964270980)
Rita Reis (913486657)


ANEXO

Julgamento do Grupo de Gdeim Izik: Nulo de Pleno Direito 1
Relatório da Fundação Sahara Ocidental
17 de Fevereiro de 2013

Esta Fundação acreditou Juan Andrés Lisbona, Isabel Maria Lourenço, Rita Marcelino dos Reis, José Manuel de la Fuente Serrano e Rosário García Diaz, para que assistissem às sessões do julgamento militar celebrado no tribunal militar de Rabat, contra 25 presos saharauís. Após a missão de observação realizada, de forma ininterrupta nos dias 1, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15 e 16 de Fevereiro de 2013, esta Fundação concluí que:

1º - No que respeita à Administração de Justiça, apesar das normas e dos instrumentos
internacionais de Direitos Humanos, rectificados por Marrocos e, apesar de dispor de um
contingente policial e judicial bem dotado, este não teve em conta no processo judicial o direito vigente, FRAGILIZANDO-SE em sede judicial e em dependências e instituições, a legislação de aplicação, fazendo deste um processo: um processo Nulo de Pleno Direito.

2º - O Tribunal Militar, encarregue deste procedimento e que realizou as fases de julgamento e decisão, com sede em Rabat, capital do Estado Marroquino, é um TRIBUNAL EXTRATERRITORIAL. A sua competência para julgar os factos e actos produzidos fora do território do Reino de Marrocos, tornam-no INCOMPETENTE, de acordo com as resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas, uma vez que estes factos, se circunscreveram no Sahara Ocidental, território não-autónomo, ocupado militar e ilegalmente por Marrocos (“país ocupante”), contrário ao direito internacional e, por isso, fora da soberania, competência e jurisdição deste Tribunal Militar de Rabat, sendo todo o processo desenvolvido NULO DE PLENO DIREITO.

3º - O Tribunal Militar de Rabat é INCOMPETENTE à luz do direito constitucional e penal
marroquino, de acordo com o artigo 127 da recém-promulgada Constituição do Reino de
Marrocos, datada de 29 de Julho de 2011, ao se tratar de um TRIBUNAL DE EXCEPÇÃO,
proscrito e proibido, pelo que o processo desenvolvido padece de NULIDADE RADICAL.

OTribunal Militar de Rabat, presidido pelo juiz ordinário “Zehhaf”, julgou, violando o direito de aplicação, 25 civis saharauís, sem ter as faculdades jurisdicionais necessárias. A forma e tom de interrogação a muitos deles, afirmando que não tinham habilitações suficientes para se pronunciarem sobre a legalidade do tribunal, foi absolutamente inadequada.

4º - Como constatou esta missão, na prática, a fase de averiguação prévia do delito, converteu-se na parte dominante e decisiva do processo penal, contaminando-o de forma grave e irremediável.

O sistema de acusação e administração da justiça, relativamente a provas que podem ter sido obtidas ilegalmente, é muito deficiente. Foi uma realidade constatada por esta missão que as violações sexuais dos presos e as torturas como meios de obtenção das confissões, realizadas nas dependências policiais, na Gendermaria Real e nos corpos militares e paramilitares que operam no território do Sahara Ocidental “de facto”, infligidos durante semanas ou meses e cujas sequelas foram exibidas ao tribunal, na fase de plenário, e na fase de instrução, com dezenas de denúncias, não só não foram investigadas, como se lhes negou, incluindo na fase oral nas provas de tais actos, e a possibilidade da sua valoração, produzindo assim, uma FRAGILIZAÇÃO DE DIREITOS DE DEFESA.

5º - A celebração dos depoimentos orais, foram registados anos após os actos, com prolongação indevida da detenção, em dependências policiais e penitenciárias, mediante tortura ou outras formas de coacção física e psicológica, adiando os julgamentos e mantendo os acusados em prisão preventiva, contrária às convenções internacionais e à legislação marroquina.

6º - Esta missão constatou que, apesar do tempo passado, desde 8 de Novembro de 2010, data em que se passaram os alegados actos, e a capacidade e preparação tanto dos corpos e forças de segurança, como dos tribunais e juízes marroquinos, se realizou uma INSTRUÇÃO DEFEITUOSA, INCOMPLETA, ENVIESADA E ILEGAL. A inexistência no processo da identidade e circunstâncias das vítimas falecidas, inexistência de autópsias forenses (requisito fundamental para determinar a causa da morte, local, momento e circunstâncias); inexistência de provas de impressão digital e de análise das armas brancas, supostamente encontradas no local dos actos; inexistência de estudos morfológicos ou de identificação nas filmagens realizadas, invalidam, de forma absoluta, a sentença ditada. Uma vez que nenhum dos acusados é identificado nas filmagens apresentadas, a instrução e supostas provas de acusação obtidas em fase de instrução e apresentadas em plenário, estão TOTALMENTE DESLIGADAS DOS ACUSADOS e da forma como o Procurador do Rei formulou a acusação. A existência no momento do desmantelamento violento do acampamento de Gdeim Izik, cercado, rodeado pelo um numeroso dispositivo de efectivos e equipamentos do Estado (que incluíram meios aéreos e pelo menos cinco câmeras de ilmagem), tornam inacreditável o “modus operandis” relatado pela acusação, incongruente com o relato factual, repleto de lacunas e IMPRECISÕES que tornaram absolutamente impossível reconhecer quem, de que forma e em que momento, provocou a morte das vítimas e se a mesma foi violenta. (Os delitos pelos que foram condenados são profanação de cadáveres, associação criminosa e homicídio).

Esta instrução defeituosa, fez com que o Procurador do Rei, em fase de Plenário, e no mesmo dia em que se iniciavam as sessões do julgamento, apresentasse de forma supressiva (em incumprimento com os prazos legais previstos) a inclusão no processo de nove testemunhas oculares dos actos e cujas declarações poderiam trazer luz sobre a identificação dos autores e das circunstâncias da perpetuação do delito. A primeira testemunha, Hawadi Radouan, declarou no dia 13 de Fevereiro, às 13:15h, hora local, que estava presente como força auxiliar e que não reconheceu nenhum dos acusados. O presidente do tribunal, em exercício das atribuições que alegou lhe terem sido conferidas, privou o plenário de ouvir as restantes oito testemunhas.

Privando desta forma à defesa a possibilidade de provar que os acusados não tinham
participação dos actos violentos.

As únicas testemunhas da defesa admitidas e que prestaram declarações no processo foram: Mohamed Salmani, Bachir Salmani, Mohamed Balkasmi, Mohamed Abhaoui e Hassan Dalel.

7º - Ausência de garantias de um processo devidamente legal e uma correcta aplicação de justiça, dado que os expedientes policiais, judiciais e a fase de julgamento oral, foram gravemente afectadas pelas actividades políticas e opiniões dos acusados, que primou sobre os acontecimentos. Esta missão constatou a inexistência de uma justiça imparcial e independente no julgamento, devendo-se classificar este processo de JULGAMENTO POLÍTICO e os presos como PRESOS DE CONSCIÊNCIA.

8º - A missão de observação constatou numerosos vícios nos procedimentos que deveriam ter provocado a nulidade de pleno direito, desde da fase de instrução, em concreto e sempre à luz do direito que se aplica no território:

A falta constatada (e denunciada reiteradamente em todo o julgamento) de provas de acusação apresentadas por parte do Procurador-Geral do Rei e por parte do Juiz de Instrução, INVALIDAM TODO O PROCESSO, uma vez que não exerceram a sua função de garantia da legalidade, violando o princípio da tutela judicial efectiva (vigente no seu sistema penal) e da presunção de inocência, aceitando as declarações policiais, obtidas, como relatam todos os testemunhos, sob inimagináveis formas de tortura, SEM QUALQUER PROVA REAL em todo o processo.

Ausência de identificação das forças detidas pelas forças de segurança, com provas
incriminatórias na própria fase de instrução; significando isso que foram detidos arbitrariamente e pelo facto de serem saharauís, membros de associações e defensores dos direitos humanos, membros da comissão de negociação de Gdeim Izik ou pelas suas opiniões sobre a autodeterminação do Sahara Ocidental, tendo sido levados para centros de detenção antes, durante ou depois do acampamento de Gdeim Izik, sem qualquer relação com os referidos actos, permanecendo durante dias em paradeiros desconhecidos.

Violação do direito de defesa, mediante a negação sistemática da apresentação de provas de inocência, tanto na fase de instrução, como na fase de plenário, impedindo de facto a possibilidade de demonstração de inocência, sendo especialmente grosseiras as negações de apresentação de prova, insistentemente solicitadas pela defesa, em toda a fase de Plenário, médicas para a demonstração da tortura e testemunhos fundamentais como o do Ministro do Interior de Marrocos e da deputada parlamentar Gajmoula Ment Abbi.

Ausência de advogados nas detenções, nas sedes policias e judiciais.
Ausência de comunicação aos familiares dos detidos.
  • Utilização de métodos policiais violentos, torturas e coacções físicas e de todas as

ordens na sede judicial, realizadas na presença do juiz de instrução Bakkali Mohammad, já falecido, para a obtenção de assinaturas em forma de impressão digital, no final da redacção das confissões de culpa.

9º - Esta missão constatou a violação dos direitos de liberdade de expressão, consciência, reunião e associação no território, aguardando a descolonização pelas Nações Unidas e da celebração de um referendo de autodeterminação pelo povo saharauí; e a expressão de opiniões políticas, que se realizam no exercício dos direitos civis reconhecidos pelos tratados internacionais subscritos por Marrocos, são reprimidos.

Na fase oral, o tribunal pretendeu a todo o momento anular e evitar tais declarações; e que apenas após uma forte defesa dos advogados e de uma reunião celebrada à porta fechada entre o tribunal e estes, lhes foram permitidas.

10º - A detenção, tortura e sentença assim como a detenção dos manifestantes saharauís,
corresponde à política decidida e sistemática de repressão dos activistas políticos pelo Reino de Marrocos e no território do Sahara Ocidental, como método de minimizar o crescente movimento da população saharauí de reivindicar o direito da autodeterminação, reconhecido pelas Nações Unidas, defendendo que se respeitem os seus direitos, cuja máxima expressão foi o acampamento de Gdeim Izik.
11º - O estado de terror que referem os testemunhos, os relatos de tortura e repressão relatados na fase de plenário, violam o direito penal marroquino, que se aplica aos habitantes do Sahara Ocidental, os convénios internacionais subscritos por Marrocos, como a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Descriminação Racial (1966), os Acordos Internacionais de Direitos Civis e Políticos e de Direitos Económicos, Sociais e Culturais (1966), o Convénio para a Prevenção e Sanção do Delito de Genocídio e Delito de Torturas, (rectificado por Marrocos em 1950).

12º - Esta missão de observação pôde constatar que, as condições necessárias para a
celebração de um processo justo, equitativo e independente não se concretizaram. A excessiva e injustificada presença policial, dentro da sala de audiências, nas dependências do tribunal e nas ruas adjacentes, estas com centenas de veículos anti distúrbios, camiões com canhões de água preparados para intervir, situados em lugares visíveis, acrescidas à pressão que sofreram os observadores que assistiam ao processo, quer dentro da sala como no restante tribunal, ameaças aos tradutores, cujas famílias foram ”visitadas” no Sahara Ocidental, tendo sendo claramente advertidas que a actividade de tradução não era conveniente, inibidores de frequência em toda a zona, impediam a comunicação telefónica, acrescidas à pressão mediática dos media marroquinos, que junto com a polícia filmavam e fotografam os observadores e, em especial, aos presos, tendo sido difundidas estas imagens em revistas e jornais, sem a sua autorização, constituem um exercício inadmissível do poder do estado, que influenciou directamente o processo de justiça, inibindo-o. As denúncias da defesa realizadas perante o tribunal não foram suficientes para que fossem respeitados os direitos dos acusados.

Esta Fundação AFIRMA A SUA REPULSA PELO ENCARCERAMENTO, TRATO INUMANO E AS
PENAS QUE O REGIME MARROQUINO LEVA A CABO, QUALIFICANDO ESTE PROCESSO DE
ILEGAL, CONTRÁRIO À DIGNIDADE HUMANA E AOS DIREITOS DE UM POVO.

Igualmente mostramos a nossa solidariedade e apoio aos presos, familiares e ao povo saharauí
pelo sofrimento e barbárie que padecem.

Dada a magnitude e complexidade das sessões celebradas, esta Fundação pretende publicar um relatório completo sobre o processo dos presos políticos saharauís de Gdeim Izik, juntamente com uma lista completa dos observadores.

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